[348] *No. 1.—Code and commentary.
Theoria do direito penal, applicada as eodigo penal portuguez, comparado com o eodigo do Brazil, Ms patrias, codigos e leis criminaes dos povos antigos e modernos. Offerecida a S. M. I. O. SR. D. Pedro II.— Imperador no Brazil per F. A. F. Da Silva Ferrdo. Vol. IV. (Lisboa, 1857,) pp. 181, 231.
Artiao 1480.—Todo o portuguez que, por quaesquer actos não auctorisados pelo governo, expozer o estado a uma declaração de guerra ou expozer os portuguezes a represalias du parte de uma potencia estrangeira, será condemnado, se a guerra ou as represalias se seguirem, a degredo temporario; e, se a guerra ou as represalias se não seguirem, a prisão correctional desde um a tres annos. Salva a pena maior em que possa ter incorrido seo facto praticado for crime punido pela lei com pena mais grave. (Art. 29°, N° 4° e ref.; art. 30° N°. 4° e ref.; Cart., Const., art. 9°, § 2°.
[349] *Concordam com a litra e disposição d’este art. o cod. Fr., art. 84 e 85, Hesp., art 148, do Brazil, art. 73, das Duas Sicilias, art. 117 e 118, da Sardenha, art. 179 e 180, e o nosso de 1837, art. 113.
Com a differença de que o Cod. Fr. e os das Duas Sicilias e Sardenha, que o imitaram, distintinguiram a incriminação para tratar d’ella separadamente, quando resultasse compromettimento da paz, e quando sómente a provocação a represalias.
O Cod. do Brazil, o nosso de 1837 e o Hesp.fizeram de ambos os casos uma só incriminação. Este nosso art. assim o praticou tambem.
Mas sem rasão sufficiente, e considerâmos preferivel a apreciação feita pelo Cod. Fr. e seus imitadores. Se e necessaria, nos termos d’este art., para constituir a criminalidade, a eventualidade do mal resultante de um facto material, a gravidade da pena deve ser medida sobrea gravidade das cousequencias d’esse facto.
Ora se as cousequencias são maiores no caso da eventualidade da guerra que no das represalias, quando não sejam geraes e continuas a incriminação devia dividir-se para dar logar a discriminar a pena, attenuando-se na segunda hypothese.
[350] *Outra differenfa notavel existe no Cod. Fr., art. 84, quanto ao facto material. Não basta que esse facto não seja auctorisado pelo governo, é preciso tambem que seja hostil de sua natureza “par des actions hostiles”
Os Cod. da Sardenha e das Duas Sicilias conservaram para o caso a mesma expressão, e o ultimo lhe acrescentou a hypothese de o facto ser tal que a lei o qualificasse crime “par qnelque crime oupar des actes hostiles.”
Assim a lei, quando se tratasse de avaliar se o facto era ou não hostil não definia quaes eram os que deviam ou não toinar esse caracter, mas fica va então ao arbitrio dos juizes o pronunciar a tal respeito, absolvendo os réus sempre que se tratasse de acções illicitas so pelo fund amen to negativo de não ser o facto auctorisado pelo governo; fundamento inadmissivel por iucoustitucional; porque a auctorisação do governo só é [Page 56] necessaria quando se exige não vagamente, mas para certos e determinados actos, e a lei tolera, permitte, tudo quanto não prohibe.
[351] O Cod. Hesp., não conservou a expressão “hostis” do Cod. Fr. mas corrigiu a do mesmo Cod., pondo em logar da expressão “non approuvés par le gouvernement” a de “no autorizados competentemente,” e assim não *requer auctorisação do governo quando o facto se aehar auctorisado pela lei, que dispensa toda e qualquer outra, auctorisação, e para o caso dispensava o emprego da expressão “hostis” assim como abrangia as duas idéas do Cod. das Duas Sicilias “crimes ou hostis”
O Cod. do Brazil ainda é mais explicito que todos estes Cod., coma se vê das palavras que julgâmos dignas de aqui transcrever na sua integra:
“Commetter sem ordern ou auctorisação do governo hostllidades contra os subditos de outra nação, de maneira que se comprometta a paz ou provoquem as represalias.”
Assim se fica entendendo que, se o facto em si for tal que segundo o direito internacional não podesse dar justo motivo de guerra, nunca, com quanto não auctorisado pelo governo e mesmo quando a eventualidade da guerra se seguisse, poderia ser repuitado crime. Similhante facto não é então motivo, mas mero prextexto.
Cabe nos limites da possibilidade moral evitar factos de que possam resultar justos. motivos de guerra, reconhecidos geralmente por taes; não é dado porém á prudencia humana prevenir até os pretextos.
[352] *A incriminação, tal como se acba feita n’este art., não seguiuestes modelos.
Alem de não distinguier factos de di versa gravidade, caindo a esse respeito no defeito do Cod. Hesp., do Brazil e do nosso de 1837, comprehendendo “quasquer actos” abriu a porta a processos, cuja criminalidade não tern nem póde ter verdade moral.
Por este modo e debaixo d’estes dois pontos de vista, ó art. é mais defeituoso que os do Brazil, Hespanha e de 1837, e não adoptou d’estes o que tinbam de bom, não imitando, precisando ou ampliando o que o Fr. e os da Italia supracitados baviam prescripto.
Quanto á penalidade, alem do grande perigo de se poder inoriminar urn facto licito, resulta da confusão das duas consequencias eventuates, diversas em gravidade, a desproporção da mesma pena em relação aos factos provocadores das represalias.
[353] Este incriminação, na sua significação mais ampla, comprebende todas as vias de facto offensivas de um subdito ou de uma naçãoestrangeira, mesmo as que se reduzem a simples injurias. Assim, a pena poderá ser gravissima quando o facto de provocaçao for insignificante ou insignificantissimo, *e ainda quando os da represalia, tendo-se quido, forem de consideração pouco attendivel.
Comtudo, para se reduzir tanto quanto é possivel a applicação d’este nosso art. a proporções justas, os juizes poderão encontrar, quanto á criminalidade do facto, quando avaliada pelas suas consequencias, a disposição do Cod. no art. 20, nos. 5 e 11, combinada com o art. 82, e quando se não verificarum essas consequencias ou forem sem importancia, a disposição do mesmo art. 20, no. 11, combinado com o art. 83, no. 40.
O Cod.porém é aqui previdente em parte, pois se não resalvou os casos em que ao facto material corresponda uma pena menor, resalvou aquelles a que deva impor-se uma pena maior.
Emendou assim a omissão dos Cod. Hesp. e Fr., adoptou a que se acba nos da Italia supracitados, e vitou o defeito de igual declaração do Cod. do Brazil, restricta as offensas commettidas contra subditos brazileiros.
[Page 57][354] No God. da Baviera, art. 300, se incrimina o facto d’aquelle que tenha dado não so um motivo fundado, mas ainda occasião, facilidade e até pretexto para uma nação estran *geira se collocar em estado de guerra, mas exige essencialmente que o tenha assim praticado com esse mesmo fim “dans une intention hostile,” o que salva completamente todo odioso que resulta do emprego da palavra pretexto, excepto quanto á penalidade; porque aquelle que n’uma intenção hostil pratica factos de provocação de guerra fundados, não deve ser considerado na mesmalinha de criminalidade que o que na mesma intenção só subministrou um pretexto.
Se a guerra se não justifica pela gravidade da provocação, a imputação moral das suas consequencias se divide e recáe sobre a naçào inimiga.
O crimé, como temos exposto em outros logares, para ser punido com justiça deve ser considerado tanto na sua causa moral remota como na sua causa moral proxima, sem abstrahir dos seus effeitos e da influencia que uma ou outra causa tenha para elle exercido.
[355] Antes de concluirmos as nossas observações sobre o presente art. notaremos que se tern censurado n’elle um defeito mais de redacção que de doutrina; porque comprehendendo para a repressão, tanto a provocação productiva de declaração de guerra como de represalias parece *deixar impune a provocação a hostilidades, que não tomam o caracter nem de guerra declarada, nem de ataque ou offensas individuaes a portuguezes. Esta omissão tern parecido gravissima em um Cod. Penal, principalmente em presença do art. 18° das disposições geraes, vedando ampliar a interpretação alem dos seus termos, embora exista identidade ou ainda maioria de razão.
Todavia, como as represalias comprehendem, todos os meios possiveis de uma nação alcançar reparação do mal que recebeu, e podem ser negativas ou positivas, e estas geraes ou especiaes, recaindo ou sobre cousas da nação ou de individuos a ella pertencentes; na expressão represalias se comprehendem as hostilidades. Alem d’isso na declaração de guerra, expressão de que serve o art., se comprehendecomo equivalente a declaração de hostilidades, á qual póde preceder o embargo ou arresto, que se relaxa obtida a reparação, mas que entra essencialmente na expressão represalias.
[356] O verdadeiro defeito de redação que notamos é o que faz suppor no presente art. como impossivel uma guerra sem declaração previa. Assim é recebido como principio entre as nações antigas e modernas, mas na pratica, sem represalias nem declaração alguma previa solemne *setem visto, e è portanto possivel começar a guerra de facto, quanto a nação offendida ou aggressora tern por inconveniente prevenir e avisur a nação offensora ou aggredida.
Assima expressão do art. a uma declaração de guerra “devia ser emendada pela expressão” a uma guerra “aucune déclaration ou autre avis à l’ennemi de l’existence de la guerre est nécessaire pour légaliser les hostilités.” (Wheaton, Droit intern., torn. 1°, p. 279.) Quando porém não precede a guerra a declaração é õ mesmo facto da guerra que dispensa e prejudica ou antes expiime a declaração; e assim deve entender-se o presente art.
Com mais fundamento deve notar-se que nas palavras de que lançou mãs o legislador “todo o portuguez” imitação do Cod. Er. “tout français—parece a char-se um argumento concludente da comprehensão dos ministros d’estado; mas que este argnmento perde grande parte da sua força, em vista dos art. 146°, 147°, e 148° aonde as mesmas palavras, [Page 58] “todo o portuguez,” sã o tomadas como entidade distincta da entidade governo, e portanto distincta dos individuos que o compõem.
[358] Parece resultar da redacção especial d’este art. que sómente poderão ser culpados os ministros d’estado pelos crimes previstos no. art. 146°, e 148°, quando auctorisarem os factos geralmente puniveis contra “todo o portuguez” auctor principal e directo, se a auctorisação, cousiderada como ordem, conselho ou provoeação fôr causa determinate ou uma das causas determinantes do mesmo facto, qualificados então os ministros d’estado como participantes, co-auctores ou cumplices, segundo o grau de influencia que tiveram e pelas regras geraes dos art. 25°, e 26°. *Isto porem accusa a deficiencia e i ncoherencia do Cod. com relação aos ministros d’estado. Se estès se consideram participantes em igual grau, o facto em relação a elles devia ser mais severamente reprimido do que a respeito dos outros co-réus, porque o abuso de poder e falta de lealdade não é menos um elemento aqui de aggravação que na hypotbese do § un—do art. 143°.
Seria injustifieavel que un Portuguez se cobrisse para desviar a pena com a auctorisação de um ministro d’estado; causa remota das hostilidades ou represalias, e o mesmo ministro ficasse irresponsavel pela concessão da mesma auctorisação em diametral repugnancia com o art. 298°.
Demais, nos termos d’este art. 298° quanto ao délinquente diriecto, a auctorisação do governo para se tornar causa justificativa dos crimes que produziram resultados prejudiciaes à seguranca do estado, deve ser obrigatoria, isto e, tal que importe a obediencia correlativa ou uma ordem.
[358] Se a auctorisacão é contra a lei fundamental do estado ou contra outras leis, ella é facultativa, e como tal não releva o que d’ella usou delinquente, principal e o ministro pedendosem crime deixar de a usar *maxime quando entre d de estado não houver relações hierarchicas que façam considerar este superior, como se demonstra por argumento do No. 20, do art. 20°, et do No. 5°, do art. 14°.*
*Teria sido conveniente que o Cod. resalvasse aquelles actos de defeza ou de provocaçao que os délégados geraes do governo, constituidos em necessidade, podem ser obrigados a practicar sen do inconipativel o seu procedimento com a auctorisação do governo déterminadainente para esses actos.
Os nossos governadores do ultramar, mesmo de provincia e postos maritimos distantes da costa, os commandantes de corpos militares, os de navios de guerra, etc., podem sem ordem expressa do governo repellir pela força das armas um ataque, ou mesmo, para manutençao da dignidade e intéresses nacionaes tomar a iniciativa de hostilidades ou représalias. (Ortolan, Règl. inter., liv. 3°, cap 3°, princ. gén.)
[359] “Assim em presenga do que levamos dito, as palavras do art. Todo o portuguez que por quaesquer actos não auctorisados e*pelo governo erpozer o estado a uma declaração de guerra” poderiam ser convenientemente emendadas dizendo-se “todo o portuguez não auctorisado pelo governo, que por quaesquer actos hostis ou criminosos expozer o estado a uma guerra”.
A guerra mesma não é em si mais que um estado de represalias geraes e continuas, em quanto n’esse estado tudo o que é permittido a uma das partes belligerantes se considera licito à outra. (Schmalz, Droit des gens européens, livre 6°, cap. 1°, pag. 214.)
Isto comtudo soffre uma limitação a respeito das mesmas nagoes que sustentam no estado de paz um apparato bellico, tanto em terra como no mar, cujos exercitos e armadas, confundindo por sua attitude o estado preventivo com o de ameaca e aggressao permanente, compromettem a existencia ou independencia de outras nações, mais ou menos determinadamente, podendo de improviso e por ordens expedidas em segredo verificar um ataque naval ou uma invasão.
[360] Estas palavras “declaração de Guerra” não teem hoje a mesma significação que tinham em outras eras, consistindo na intimação mandada fazer a uma nação em seu *mesmo territorio por um arauto d’armas ou mensageiro, precisamente como um repto ou desafio. Esta fórma solemne cessou desde o meado do seculo 17°, e ficou substituida pelo decretamento da guerra e sua communicagao official as nações aggredidas, alliadasou neutras, accompanhada de manifestos ou exposição de motivosde justificação, [Page 59] a que respondem oscontra-manifestos, até que effectivamente rompem as hostilidades. Todavia auctores existem como Bynkerskoek, que sustentam que nem estes manifestos são necessarios, e muitas vezes de improviso, ou de hostilidades em hostilidades se aggrava entre as nações a sua situação até à manifestação formal do estado de guerra. Guerras tern havido sem previa declaração; como foi a que rebentou entre a Franca e a Inglaterra em Junho de 1755, sómente declarada solemnemente em Maio de 1756; e nas negociações movidas em 1761 sobre restituição e indemnisação de presas feitas antes d’essa declaração entre acõrte de Versailles e a de Londres, sustentou esta abertamente a falta de direito à reclamação como infundada por falta de convenção especial e dependente de um principio de direito das gentes snjeito a contestação.
[361] *As surprezas porém d’este genero tomamo caracter de perfidia e aleivosia. E a guerra dos piratas esalteadores em ponto grande. Felizmente similhantes aggressões inesperadas são hoje pouco provaveis de facto porque a toda a guerra precedem symptomas e actos preparatorios que manifestam o estado de transição e constituem como uma declaração tacita que substitue a solemne ou expressa. O segredo absoluto não é possivel no estado actual da organisação, relações e facilidade de communicações entre as nações modernas. (Ortolan, Règl. intern., liv. 3°, cap. 1°.)
Portanto o elemento dirimente, admittido sem exeepção no presente art., não póde com verdade moral ser admittido. A malicia ou imprudencia do ministro d’estado que auctorisa o acto, não destroe nem o elemento moral malefico na pessoa do auctorisado, nem a responsabilidade directa que lbe resulta do abuso que fez du sua liberdade e actividade.
Alem d’isso, assim como lembrou no § un. do art. 143° particularisar os ministros d’estado quando fossem auctores directds dos factos a que o mesmo § se referee em geral. no art. 193°, os funccionarios supe riores que ordenassem aos seus inferiores um acto criminoso *tambem aqui deviam elles ser particularisados, quando simplesmente o auctorisassem, e que assim, dando a outrem carta, diploma ou instrucções em préjuizo de uma nação estrangeira ou de seus subditos, fossem causa da guerra ou represalias.
Um ministro d’estado em similhantes circumstancias é criminoso, ou por traição ou por imprudencia, e em todo o caso è sempre responsavel por todos os actos directos ou indirectos de provocação; 1° Quando lhe falta a justiça paru aggressao; 2° Quando não lhe faltando a justiça, resulta maior mal politico e material contra a nação de recorrer a sorte das armas; 3° Quando provoca directa ou indirectamente sem ter de antemão calculado as forças da reciproca defeza e ataque.
[362] Tanto maior é a extensão do direito politico, que sobre declaração de guerra a curta, no art. 75° § 9° concede ao poder executivo, sem dependeneia de deliberação das camaras legislativas, quanto maior e mais especial deve ser a repressão legal contra os ministros d’estado, que auctorisarem pela provocação as represalias e em seu seguimento envolrerem por tal forma a nação em immensos sacrificios, difficuldades e perigos.
[363] *Portanto, se o presente art. toma como circumstancia dirimente e em termos absolutos a auctorisação do governo, para a provocação a guerra ou represalias, a justiça é a politica pediam que o cod., incriminasse o facto da auctorisação em si mesmo, quando abusiva por malefica ou culposa contra os membros do gabinete que d’ella par-ticipassem como auctores ou cumplices.
Se os crimes que os ministros de estado podem commetter no exercicio de suas funcções têem uma natureza especial que deva ser estudada e tratada para uma lei particular, cumpria então elimina-los completamente do cod. e não os compreliender, já por determinação especial, eomo se fez no cit. § un, do art. 143° já como a cada passo por determinações geraes absolutas “todo o portuguez, todo ofunccionario publico” sem resalva alguma dos mesmos ministros, o que muitas vezes, como veremos, lhes torna o cod. de irrisoria, absurda ou impossivel applicação.
[Page 60][364] *Art. 156. Qualquer pessoa, que sem auctorisação do governo recrutar ou fizer recrutar, assalariar ou fizer assalariar gente para o serviço militar ou maritimo estrangeiro, ou procurar armas ou embarcações ou muniçoes para o mesmo fim, será condemnado no maximo da prisão correctional, e no maximo da multa.
§ unico, se o criminoso for estrangeiro, será expulso temporariamente.
Este art. parece ser tirado, quanto à redacção, do art. 22° do Cod. Pén. Fr.:
Seront punis de mort ceux qui auront levé ou fait lever des troupes années, engagé ou enrôlé, fait engager ou enrôler des soldats, ou leur auront fournis ou procuré des arrnes ou munitions sans ordre ou autorisation du gouvernement.
Pela collocação que ali tern este art. é fóra de duvida que sómente è applicavel ao caso em que se provar, que os recrutamentos tinham por fim pertubar a segurança interna do paiz. O tribunal de cassaçao de Paris, por accordão de 13 de Fevereiro de 1823, decidiu que esta prova era inutil, e que no silencio da lei se devia considerar sómente o facto material, com abstracgao do seu fim.
[365] Mas Chauveau e Hélié, Théorie du Cod. Pén., cap. 18, demonstram que esta doutrina é inteiramente contraria à lei, e que nem o legislator podia ter a intenção de ferir com a pena de morte attentados *de outra natureza.
Tratando-se de recrutamento para um paiz estrangeiro não se poderia justificar similhante pena. Este facto não e criminoso em simesmo, mas sómente quando ou o fim não è honesto, ou se dà violação das leis de policia de ordem ou de conveniencia publica. E o egoismo da propria conservação, deixando os partidos ou as potencias belligerantes entregues a si mesmas, quando um auxilio d’esta natureza poderia ou salva-las ou dar à guerra uma solução mais rapid a e mais honrosa.
O nosso Cod. porém aproveitou a incriminação não sò applicando a aos recrutamentos para servigo militar estrangeiro, mas tambem ampliandoa ao serviço maritimo militar e não militar converten do assim em delicto o que essencialmente não é mais, que uma simples infracção. O que é illicito moralmente, não póde tornar-se licito pela auctorisação de nenhum governo, a qual só recáe sobre factos moralmente licitos. Se a violacão consiste então somente na preterição d’esta solemnidade, a infracção assume o caracter de contravenção mais ou menos grave, mas nunca deveria passar á categoria de crime.
[366] No mesmo sentido, mas com uma relação directa a todo e qualquer fim, que fóra de um caso urgente não fosse para repellir o perigo imminente da patria atacada pela guerra interior ou exterior, foi adoptada, no cod. de 1837, a incriminação do *cod. Fr. e debaixo da mesma pena de morte.
Prohibia pois tambem esse cod. implicitamente os recrutamentos ou alistamentos para o serviço estrangeiro, mas auctorisava todos os esforços individuaes desta natureza, en caso urgente de defeza interna ou externa.
O Cod. Pen. do Brazil é omisso e não o censuramos por isso. Limitouse a incriminar geralmente, no art. 73°, o facto de hostilidades, contra subditos de outra nação por modo tal que se comprometta a paz ou se provoquem represalias.
O Cod. Hesp. art. 142° No. 6° so puniu, debaixo de pena de ferros até ao maximo de morte, o que recrutasse em Hespanha para o serviço das armas de uma potencia inimiga. É porém omisso tambem na hypothese de que trata este nosso art.
Concordam porém em ambas as hypotheses, que todavia distinguem os Cod. da Sardenha, art. 181°, e o das Duas Sicilias, art 109°.
O da Sardenha, na primeira hypothese, impõe a pena temporaria de [Page 61] reclusão a trabalhos forçados, conforme as circumstancias, e na segunda, a de morte.
O das Duas Sicilias impõe tambem n’esta ultima hypothese a pena de morte, mas na do nosso art. a pena de exilio temporario.
[367] No moderno cod. da Baviera, art. 306°, No. 4°, se *acha uma disposiçao em parte e substancialmente concordante, classificada como de crime de traiçao no quarto grau e portanto punida com a pena de dois a oito annos de prisão:
Celui qui enrôlera secrètement des sujets du royaume au service d’une puissance belligérante étrangère ou qui prêtera aide et assistance à un recruteur non autorisé pour l’exécution de ses desseins.
Nos outros cod. da Allemanha, com relação ao crime de traiçao, são considerados e punidos como seus actos preparatorios os recrutamentos assim como as compras de armas e de municoés. A mesma doutrina se acha no cod. da Prussia § 64°.
Finalmente no cod. da Austria, art. 77°, tambem se encontra concordancia com este nosso art., mas é só para remetter para a lei militar uma similhante incriminação e portanto restricta ao estado da guerra com a nação recrutante.
Celui qui enrôle des hommes pour un service militaire étranger . . . est jugé et puni, conformément aux lois militaires, par le pouvoir militaire.
[368] Esta observação foi feita por Cambacéres nas discussões do conselho de estado sobre o Cod. Pén. Fr. Foilhe porém respondido por M. Berlier, que da inserção no cod. não resultava inconveniente. Mas então redargue o cit. Chauveau et Hélié, essa incriminação ficou sem utilidade; porque desde que se reconrece que *os factos previstos no art. são factos militares, não se ve motivo algum fundado que justifique uma excepção para que esta disposicão tome logar entre as de dereito criminal commun. E uma derogação á ordem das materias que o cod. se propoz seguir.
Todavia, se não forem militares os culpados do crime previsto n’este nosso art., não poderão ser julgados pelos nossos tribunaes militares em vista do que dispõe este nosso cod. no art. 16°.
Quanto à penalidade, reconhecemos que ella e appropriada aos delictos de que se trata n’este art. tanto pelo que respeita á de prisão correccional, como à de multa. È um dos poucos casos em que a pena pecuniaria tem logar sem vicio de confisco. Sem meios pecuniarios não se recruta, não se assoldada, não se assalaria nem se faz assalariar. O dinheiro e aqui o movel principal, o iustrumento do delicto. A maneira indirecta de o sequestrar é em harmonia com o art. 81° do cod., certamente uma multa e forte.
Todavia o attentado póde ser mais ou menos grave, as circumstancias de que se ache revestido desculpar ou não, e mais ou menos a intenção do seu auctor. Recrutar em pais estrangeiro para levantar o grito da liberdade, da independencia ou da legitimidade, e um procedimento que excita as sympathias de um publico illustrado, e de todos os homens que detestam a tyrannia, a injustiça, a usurpação. Recrutar para restorar o absolutismo, adjudar uma conquista, restabelecer a iuquisição, destruir a propriedade ou o credito de uma nação, é um attendado que excita horror, que detestam todos os que prezam a ordem, a paz e a felicidade do genero humano.
Pois que? deve incriminar-se o soccorro por tal meio a uma nação que lute com forças desiguaes para manter a sua independencia ou a sua liberdade ou a legitimidade de um principe?
Posto isto, a penalidade comminada sempre no seu maxiino se torna [Page 62] viciosa, por isso que assim se torna indivisivel. Necessariamente da logar a punir-se com demasiado rigor, tanto a contravenção que tinha um fim nobre e generoso, como a que tinha um fim ignoble e abominavel. Alem disso, um recrutamento ou alistamento paro o serviço maritimo não é em si mesmo tão importante, como para o serviço militar ou naval de uma nação estrangeira. A liberdade de commercio reciproco, que tanto convem e se deve favorecer entre as nações, desculpa sempre a violação de uma formalidade de auctorisação.
[370] Em especulações mercantis, com dependencia de viagens de mar, um dia, uma hora de tardança póde malograr um bom negocio, tornar ruinosa ou inutilisar uma operação de commercio que aliás seria excellente se fosse conduzida a tempo. O *segredo mesmo, que é muitas vezes preciso guardar, o segredo que é a alma é a vida de similhantes emprezas, repugna a que se tornem sensiveis pela demora dos actos preparatorios, para a qual concorreria forçosamente a necessidade de uma auctorisação do governo em casos taes.*
[371] *O Sr. Levry entende, que este art. se deve entender do serviço de guerra; e toma por fundamento que o contrario seria um absurdo de tal ordem que não è possivel suppòr que o legislador o quizesse sanccioner. Porém, salvo o respeito e merecido louvor que tributamos ao joven jurisconsulto, não vemos nas palavrasnem no contexto do art. razão concludente para restringir a sua disposição. Embora ella seja uma aberração de tudo quanto se acha legislado em outros cod. a similhante respeito, como sómente aqui se incrimina uma contravenção, co legislador podia ter em vista a necessidade de marinhagem tanto para os nossos navios de guerra, como mercantes nacionaes, não reputamos a disposição tão absurda como parece à primeira vista. Alem de que o recrutamento de marinhagem mercante quando nacional *não prejudica o recrutamente d’ella para o serviço da armada, antes e para ella um viveiro util, em quanto que o recrutamento da marinhagem para a marinha mercante estrangeira é um meio de a subtrahir ao serviço nacional. E tanto mais isto assim procede, em vista do regulamento de 30 de Agosto de 1839, ordenando no art. 13° do cap. 3° que os navios mercantes sejam escrupulosamente visitados para que não levem marinheiros portuguees sem permizão, e que, no caso de se encontrarem, o capitão do porto os entregue logo em custodia ao encarregado de policia, a fim de na primeira occasião os remetter para o arsenal da marinha, para serem embarcados nos navios da coròa, e encarregando, em art. addicional, o mesmo capitão de fazer todas as diligencias possiveis para ter sempre um mappa de todos os marinheiros, com declaração do numero com que se póde contar para o serviço da armada.
[372] Assim a comprehenção do serviço maritimo estrangeiro, com quanto não militar, mas em geral maritimo, póde sem o tigurado absurdo considerar-se existir nas palavras “serviço militar ou maritimo estrangeiro” principalmente porque por este modo fica a falta de auctorisação incriminada *aqui em relação ao recrutante, como fora nos. §§ 1° e 2° antecedentes a respeito dos recrutados ou acatantes, com designacão expressa dos navios mercantes.
Em todo o caso raconhecemos que a redecção não é boa, mas temos por melhor criticar a lei, para que se reforme, que lançar mão do ultimo dos recursos, o argumento por absurdo, para que a sua disposição litteral se neutralise. Dura lex, sed lex.
Assim, ainda por esta consideração se aggrava o vicio da penalidade. Não só vem a ser punidos com a mesma pena factos diversos em gravidade pela intenção, mas factos diversos em gravidade por sua mesma natureza.
Esta incriminação tern o seu fundamento nas doutrinas de Wolfio e de Vattel, invocadas pelo governo americano en 1793, no começo da guerra europea e incorporadas em uma lei do congresso publicada em 1794 revista e restabelecida em 1818.
Por esta lei è um delicto não só augmentar a força de um navio de guerra de paiz não inimigo, preparar utna expedição militar contra esse paiz, como tambem assalariar ou recrutar para um serviçó estrangeiro de terra ou de mar.
[373] Este exemplo da America foi bem depressa seguido pela Gran-Bretanha no acto do parlamento, 59° Geo. III, Cap. 59°, intitulado, “Acto para impedir o alistamento ou recrutamento” dos subditos de S. M. para serviço [Page 63] estrangeiro ou o armamento e equipainento nos dominios de S. M. n’uma intenção de*guerra sern permissão de S. M.
A razão fundamental em que se firmam Yattel e Wolfio para condemnar os recrutamentos sem auctorisação do governo, é que estes são uma prerogativa exclusiva da soberania que ninguem, sem permissão expressa, pode legitimamente exercer em territorio de outro estado.
Mas todas as prerogativas da soberania têem os seus justos limites e termos, não vão a mais nem a menos do que é preciso para se consequir o fim social. Se o recrutamento não prejuclica o serviço militar nem substrahe os recrutados ao tributo, dito de sangue, para com o seu paiz, em que se offende a prerogativa?
No acto constitutional federativo da Allemanba, assignado em Vienna em 8 de Junho de 1815, e concedido no. art. 180 aos subditos dos estados confederados “entrar no serviço civil ou militar de qualquer d’esses estados, comtanto porem, que o exercicio d’esse direito não prejudique a obrigação do serviço militar que lhes impõe a sua patria.”
Os Americanos acrescentavam, invocando em favor da sua neutralidade absoluta, os principios de direito natural, que assim como um homein se devia julgar empaz coin outro homem, em quanto este o não aggredia, o mesmo se devia dizer de nação a nação.
[374] *Mas esta argumentação tambem não colhe, porque se colhesse para o caso, ficava sendo falso o direito natural que não só não incrimina tanto a defeza pessoal, como a de outra pessoa; principio adoptado n’este nosso Cod. art. 14°, No. 3 e outros art. Concordantes; mas muito pelo contrario condemna como immoral o facto d’aquelle que presencia de braços cruzados a luta de um com outro homem e a morte ou ferimentos graves de um d’elles sem lhe acudir podendo.
Nada d’isto porem póde ter applicação ao serviço maritimo mercante em tempo de paz, em que não é de presumir a simulação o fraude em favor da guerra. Em conclusão pois esta incriminação comprehende factos de diversa gravidade e natureza que converia discriminar e punir diversamente segundo a qualidade do delicto, como era de justiça, a que resiste a disposição penal do art. em razão do maximo em que para todos é fixada.
Quanto a modificação que se encontra no § un. consideramos adequada està solução do legislador. Quando o recrutante é um estrangeiro, e sem vistas algumas hostis contra nós, a expulsão do reino é o procedimento que mais convem.
E não tern aqui esta penalidade o defeito das antecedentes, porque sendo imposta a temporaria, sem algum outra declaraçao, devem os estrangeiros ser expulsos por tempo que não excedendo o maximo de doze anuos, póde segundo as circumstancias, reduzirse até tres annos, conforme o art. 36°.
[385] *It would have been convenient that the statute had excepted those acts of defense or provocation which the general gelegates of the government may, in case of necessity, be obliged to commit, though not competent to do so, nor being previously authorized for that special purpose.
The governor of our dominions abroad, even of our provinces and naval stations distant from the coast, the commanders of military bodies, of men-of-war, &c, can, without any express order from the government, repel by force of arms any attack, or even, in order to maintain the national dignity and interests, take the initiative of hostilities or reprisals.—(Ortolan, Régles internationales, liv. 3, cap. 3. Priu. gen.)
Thus, in accordance with what we have said, the words of the article, “Any Portuguese subject who shall, by any act whatsoever, not authorized by the government, expose the state to a declaration of war,” might be conveniently corrected as follows: “Any Portuguese subject not authorized by the government, who shall, by any hostile or criminal acts whatsoever, expose the state to a war.”
[386] A war itself is nothing more than a state of general and continued reprisals, in so much as what is allowed to one of the belligerent parities is considered as licit to the other.—(Schalmz, Droit des gens europ., liv. 6, cap. 1, p. 214.)
Nevertheless, there is a limit to the principle as regards those nations which keep up, in time of peace, a warlike apparatus on land and on sea; and whose armies and fleets, confounding by their attitude the preventive state with that of permanent threat and aggression, eudanger the existence or independence of other nations, in a more or less precise manner, on account of their being able, at any time, by sudden orders and secretly forwarded, to carry into effect a naval attack or an invasion.
[386]
[387] The words, “declaration of war,” have no more the same sense they used to have in former times, when such declaration was an intimation made to a nation on its own territory, through a herald-at-arms, or a messenger, as if it were a challenge. The solemn form ceased to be practiced about the middle of the seventeenth century, when, in place thereof, appealed the decrees for war, official notice of which is given all nations, whether foes, allies, or neutrals, and is accompanied with manifests or exposition of justificative motives, in answer to which counter manifests are also issued until the hostilities actually break out. However, certain authors, such as Bynkershoek, contend that these manifests are not necessary, aud it often happens that the respective situation of two nations is either suddenly, or from hostile acts to hostile acts, brought to the actual manifestation of war. Wars have taken place without any previous declaration; such was the war between France and England which burst out in June, 1755, and was only solemnly declared in May, 1756; and in the negotiations which took place in 1761, between the courts of Versailles and London, with regard to restitution and compensation for the prizes captured previous to said declaration, the latter court contended that such claim was groundless for want of a special convention, and as being dependent upon a point of the law of nations liable to contestation.[388] *But such surprises assume a perfidious and treacherous character. It is the war of pirates and highwaymen practiced on the high seas. Happily such sudden aggressions are nowadays very improbable, in fact every war being preceded by certain symptoms and preparatory acts indicative of a state of transition, and constitute, as it were, an implied declaration, which takes the place of a solemn and explicit one. An absolute secret is not possible in the present state of organization, relations, and easy intercourse between modern nations.—(Ortolan, Règl. intern., liv. 3, cap. 1.)
↩Mr. Levy contends that said article is to be understood as providing only for warlike service; he grounds his opinion on the fact that the contrary would be so absurd that it is not possible to suppose that the legislator would have enacted it. But, notwithstanding all the respect and deserved admiration we pay to the young jurisconsult, we do not see in the words nor in the context of the article any conclusive reason for limiting its provisions. Were it even an aberration from all that has been enacted on the subject in other statutes, as the incriminated fact is only a delinquency, the legislator may have considered the necessity of manning our own men-of-war and merchantmen, and we do not, therefore, consider said provision to be so absurd as it should appear at first. The recruiting of sailors for the national mercantile shipping is not prejudicial to the recruiting for the navy, but moreover our men-of-war can be supplied with men from our merchant-vessels, while, on the contrary, the recruiting for foreign merchantmen deprives our navy of sailors. And it is so well the case that, under the regulations of the 30th of August, 1839, article 13 of chapter 3, all merchantmen, are to be minutely searched in order that they do not raise Portuguese sailors without leave, and, if any such sailors be found onboard, the captain of the port is to take them immediately into custody and give them up to the police officer, who shall, by the first opportunity, send them to the navy guard, where they shall be shipped on board a vessel of the Crown. And under the provisions of the additional article, the said captain is bound to make all possible diligence, in order to have always a list of all the sailors, with declaration of the number of men upon whom one may reckon for the service of the fleet.
Thus, the meaning of foreign naval service, though not military, but naval service generally, can, without appearance of absurdity, be considered as involved in the words “military service on foreign naval service” so much the more that in this way the fact of non-authorization is incriminated against the recruiting agent, as it was incriminated against the recruits and the parties accepting to be enlisted, by sections 1 and 2 above mentioned, with the express designation of merchantmen.
[399] Anyhow, we acknowledge that the wording of the article is not good, but we deem it more proper to criticise the law, in order that it be altered, than to resort to the last of arguments, the argument ex absurdo. in order that its literal provisions be contradictory with themselves. Dura lex, sed lex.
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